Ela entrou na sala e deixou cair o casaco. Eram 6 horas da manhã e acabara de chegar do hospital. E agora? Como seria tudo daqui para a frente? Mais uma vez a vida tinha-lhe trocado as voltas. Quando parecia que tudo se estava a endireitar e a vida parecia mostrar o seu lado bom, ele resolvera partir…
Partira de vez, deixando-a com os seus dois filhos, uma casa para pagar, um carro enorme que mal sabia conduzir, um emprego começado há uma semana e uma vida inteira pela frente. Sozinha…
“Não”, disse para si mesma. Não estava sozinha porque tinha os seus filhos, mas já sentia a falta dele, do homem que a tinha encantado enquanto ela lavava roupa no tanque, do homem que a fazia sentir como uma rainha. Logo a ela, que com os seus 16 anos ainda só tinha sonhos e não conhecia o mundo. Mas o seu jeito malandro, o charme, o respeito que mostrava pela sua mãe, apesar de ser apenas uma empregada, tinha-a encantado. Era atraente porque era educado, era respeitador, mas também porque lhe inspirava um sentimento de segurança. Era dele que estava à espera sem saber para poder sair de casa dos pais, para poder libertar-se e seguir os seus sonhos de conhecer o mundo, de aprender, de evoluir, de ser cada vez melhor.
“E agora?”, pensou outra vez. Ele partira cedo demais e tudo o que tinha imaginado para si, para os seus filhos e para a família que estavam a construir caía com a mesma rapidez que as ondas do mar destroem os castelos de areia.
Quando se sentou no sofá da sala que tinham comprado juntos, a imagem da expressão dos seus filhos ao receberem a notícia da partida do pai não lhe saía da cabeça. Olharam-na com os olhos fixos, talvez pensando que estivessem a sonhar, que não era verdade que o pai não voltava para casa. Era impossível que o pai não voltasse…
Mas ele não iria voltar, pelo menos fisicamente porque em tudo o resto ele estava presente. Olhou em redor e viu o móvel da sala que compraram depois de terem poupado tanto, o sofá onde estava sentada, o candeeiro por cima da mesa de jantar, o cinzeiro de pé ao lado do sofá onde ele se sentava sempre a ver televisão, de perna cruzada, e que estava sempre cheio de beatas. Ele fumava tanto…Todo o prazer que retirou em cada uma das inspirações de fumo estava agora transformado numa dor imensa que já não cabia dentro dela, que era insuportável e só lhe apetecia desistir…
A palavra desistir ecoou na sua cabeça e imediatamente a imagem da expressão dos seus filhos, de olhos fixos a ouvirem-na dizer que o pai não voltava para casa, fê-la apagar esse pensamento. Levantou-se, deixou o casaco onde tinha caído, passou pelo quarto dos filhos que aparentemente dormiam e foi deitar-se para sentir o cheiro dele porque, tal como ele partiu, também o cheiro partiria para sempre.
Uma história nossa conhecida?….. Beijinho Luís.
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