O justo e o pecador – quem tem razão? O povo ou o direito?

As sociedades funcionam com um conjunto de regras, às quais nós damos o nome de leis e que são definidas, interpretadas e aplicadas à luz de uma ciência que é o direito.

Não sendo eu uma pessoa do direito fui à procura de algumas definições. Comecemos pelo princípio, pela etimologia da palavra. Direito vem da palavra latina directum que significa correto, o mais acertado, o mais adequado. As suas definições são muitas e variáveis ao longo do tempo. Na antiguidade Celso terá dito que o direito é “a arte do bom e do equitativo”. Na Idade Média, Dante Alighieri definiu o direito como “a proporção real e pessoal de homem para homem que, conservada, conserva a sociedade e que, destruída, a destrói”. Segundo Kant o direito é “o conjunto de condições, segundo as quais, o arbítrio de cada um pode coexistir com o arbítrio dos outros de acordo com uma lei geral de liberdade”.

Em resumo, o direito pode ser considerado um conjunto de regras impessoais e abstratas que se aplicam a todos os membros de uma comunidade.

E é assim que se faz justiça numa sociedade livre e democrática!

Se quisermos de uma forma mais simplista poder-se-á dizer que o direito protege os que cumprem as regras de todos aqueles que as infringem, ou seja, é um conjunto de regras que protege os justos dos pecadores numa linguagem mais popular.

Mas o que diz o povo que todos consideramos sempre sábio nos seus “dizeres”? O povo diz que “O justo paga pelo pecador”, ou seja, não me parece que seja exatamente concordante com a definição de direito.

De facto, eu acho que o povo muitas vezes tem mais razão que o direito. São muitas as situações que as tais regras impessoais e abstratas são construídas para penalizar um possível comportamento condenável e que não vão à raiz do problema.

É mais fácil entender com um exemplo. Atualmente, um presidente de câmara municipal não pode fazer mais de três mandatos consecutivos num determinado concelho. É uma regra que parece justa porque pensamos que deve haver renovação, que as pessoas não se podem eternizar no poder. Parece lógico. Mas será que todos se recordam da verdadeira razão desta norma impessoal e abstrata? A verdadeira razão foi a identificação de situações em que determinados presidentes de câmara mantinham-se durante longos períodos neste lugar de poder e desenvolviam teias de influências e aproveitamento para si e para os seus.

Ora, o problema então não parece estar no exercício de muitos mandatos, mas no comportamento das pessoas. Aliás, quando esta norma entrou em vigor rapidamente aqueles que atingiam o limite de mandatos, concorriam em concelhos vizinhos e contornavam “o espírito da lei”.

Mas quem fosse verdadeiramente um bom presidente de câmara, dedicado ao seu concelho e às suas gentes, honesto e respeitado pelos seus eleitores via a sua vontade de continuar a fazer um bom trabalho cerceado por uma norma feita à medida dos pecadores. Ora, o justo pagou pelo pecador!

E reparem que com uma norma aparentemente justa, todos ficaram a perder. Os pecadores continuaram a pecar nos concelhos vizinhos e os concelhos que tinham bons presidentes de câmara eram obrigados a deixar de ter sem garantias que o seguinte continuasse a fazer um bom trabalho.

Na minha muito modesta opinião, esta norma de limitação de mandatos não vai à raiz do problema que é o comportamento e a ética das pessoas. Aliás, é um dos exemplos em que se procura solucionar um problema mitigando as suas consequências em vez de se atacar a verdadeira causa. Temos o resultado desejado pelo legislador? Não!

Quero que fique claro que estas minhas observações não têm nenhuma relação com autarcas nem com as eleições que se avizinham. É apenas um exemplo para sustentar a desilusão por mim vivida em situações em que trabalhos bem feitos, que fazem avançar determinados setores do país, são destruídos porque há uma norma que não permite aquele que faz um bom trabalho continuar e assim abrir espaço para um qualquer decisor político escolher alguém para um lugar importante só porque é seu amigo ou tem uma qualquer fatura política para pagar em vez de avaliar a sua competência. E o que acontece? Por vezes, o avanço que demorou décadas a construir é rapidamente destruído, provocando-se uma regressão que vai novamente demorar anos a corrigir. Um passo em frente, dois passos atrás e assim por diante…

É por todas estas razões que temos que deixar de ser amorfos, que temos que exigir gente competente, gente séria, temos que desprezar todos aqueles cuja estratégia é destruir o que outros fizeram apenas por ódios pessoais sem qualquer respeito pelas consequências dentro e fora das organizações das suas péssimas decisões.

Temos que investir na educação das gerações futuras para que deixem de ser como os seus pais que dizendo mal de tudo e todos à mesa do café, são incapazes em contexto de trabalho de contestar uma hierarquia argumentando que “não vale a pena”, “eles é que decidem”, “o que posso eu fazer?”, “deixa lá isso” ou “só estou aqui para ganhar o meu ordenado”.

O país não avança porque as políticas podem não ser as mais certas, mas acima de tudo o país não avança porque as suas gentes são conformadas, porque as suas gentes são comodistas, porque as suas gentes são egoístas, porque as suas gentes têm visões muito curtas, porque as suas gentes não se querem aborrecer.

Somos um país estagnado há 20 anos e continuamos a não atacar as raízes dos problemas. Temos que apostar em criar uma sociedade com elevados valores morais e éticos para que o justo deixe de pagar pelo pecador!

Este desiderato só se consegue com uma verdadeira política de educação, com uma estratégia transgeracional, imune às vontades políticas de homens (e mulheres) pequeninos e invejosos que quando se sentam em cadeiras de poder só pensam em ganhar para si e para os seus e nunca para os cidadãos de forma impessoal e abstrata como devem ser as normas do direito.

Acorda Portugal!

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