A arte de ensinar

Estava um dia de inverno e depois do almoço ele entrou na biblioteca da sua casa. Olhou para as estantes repletas de livros e mais uma vez percebeu que, por mais anos que vivesse, nunca conseguiria lê-los todos nem aprender todo o saber que eles continham.

Sentou-se no cadeirão e os seus pensamentos recuaram mais de 40 anos até ao primeiro dia de escola. Mesmo fazendo um esforço, lembrava-se de pouca coisa. Não se lembrava se estava frio ou calor, se chovia ou fazia sol, se estava muita gente ou pouca gente. A única imagem muito vívida que retinha na sua memória era de uma senhora a vir em direção à porta, olhar para o grupo de crianças onde estava e com um sorriso enternecedor dizer que ela era como se fosse a “mãe-galinha” e nós os pintainhos, pelo que só tínhamos que a seguir.

E assim foi. Seguiu-a até àquela que seria a sua sala de aula nos próximos quatro anos.

Ele também se lembrava que antes de ir pela primeira vez para a escola, eram muitos os adultos que insistiam para ele aprender os números, as letras, o “a e i o u”. Mas, por alguma razão, não queria, fugia, aprender não era com ele.

Mas depois daquele primeiro dia, depois daqueles quatro anos com a sua “mãe-galinha”, nunca mais foi o mesmo. A recusa em aprender transformou-se numa vontade de absorver tudo aquilo que podia. Os livros e a televisão com os programas da natureza passaram a ser os seus melhores amigos. Descobriu as bibliotecas e estas passaram a ser um espaço que visitava com regularidade. Os funcionários das bibliotecas conheciam as suas preferências e davam-lhe sugestões de leitura, os seus dedos percorriam avidamente as intermináveis fichas de cada livro agrupadas por autor.

Em casa olhava para as lombadas dos livros que o pai comprava, lia as badanas e, se lhe chamavam a atenção, embrenhava-se em histórias de espiões, em relatos dos campos de concentração nazis ou em textos que lhe recordavam que tinha nascido noutro lugar, distante.

A sua sede de aprender, despertada pela sua “mãe-galinha”, tinha-o acompanhado toda a vida. O tempo era sempre pouco, fica sempre tanto por saber e sentado no seu cadeirão, rodeado pelos seus livros, tomava consciência que era cada vez mais o que não sabia.

Talvez por isso sempre quis saber um pouco de tudo, nunca conseguindo saber tudo de pouco. Mas a estrada do conhecimento era interminável e precisava de continuar a caminhar, não podia ficar muito tempo a apreciar, tinha mais para aprender, cada vez mais.

Sorriu com estas memórias e agradeceu em pensamento à sua “mãe-galinha”.

Abriu mais um livro e continuou a caminhar…

One thought on “A arte de ensinar

  1. Gostei!…É muito bom aprender. Foi essa vontade indomável que me levou a ser ” mãe-galinha” e ainda hoje, 26 anos depois , é na sala de aula que o meu mundo faz sentido!
    Obrigada Luís!
    Ana Dionísio

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