O título deste artigo é aquilo a que habitualmente chamamos uma verdade de La Palice (parece que também se pode escrever de La Palisse), ou seja, algo muito óbvio.
Mas será que sendo tão óbvio, significa que acontece? Todos nós sabemos que nem sempre o “saber” determina uma alteração de comportamento.
Ao longo destes últimos anos tenho refletido sobre novos modelos de governação que sejam capazes de dar resposta aos desafios que a nossa presença neste planeta tem criado e inclusivamente colocando em causa o princípio de Estado-nação como o conhecemos hoje. De facto, todos sabemos que para refletir devidamente sobre um assunto não devemos ter dogmas, não devem existir condicionantes ao desenvolvimento desse pensamento e a visão clássica das nações deve ser questionada, designadamente na abordagem de alguns problemas.
Este assunto já foi por mim abordado por diversas vezes neste blogue. Por exemplo, quando escrevi Uma Sociedade das Nações em cujo texto procuro apresentar alguns argumentos para as vantagens de uma governação unificada num planeta que é a casa de uma só Humanidade, ou quando escrevi Um novo paradigma? na sequência da aquisição do livro “A grande escolha – mundo global ou países fechados?” de Adolfo Mesquita Nunes ou ainda quando escrevi Crises e oportunidades depois da primeira vaga da COVID-19 e refletindo sobre as oportunidades que a crise pandémica que vivemos nos coloca.
A verdade é que esta pandemia tem colocado à nossa frente todas as fragilidades das diferentes dimensões da organização humana (política, social, económica, financeira, só para citar alguns exemplos). Sabemos que um problema desta dimensão global, só se resolve com soluções globais. Mas será que estamos a fazê-lo de forma eficaz? Será que a Humanidade tem cooperado no combate à pandemia? Os mais otimistas dirão que sim, que há orientações das organizações globais, como a Organização Mundial da Saúde, que a comunidade científica se uniu em torno do objetivo de encontrar uma vacina em tempo recorde, que os países partilham uns com os outros os seus recursos humanos e técnicos.
Tudo isto é verdade, mas quais são os resultados dessa cooperação? Estamos a conseguir controlar a pandemia? Sabemos que não! Sabemos que as regras de higiene sanitária e de distanciamento físico ajudam a controlar a progressão da pandemia, mas não são suficientemente eficazes para regressarmos ao que era o nosso “normal”. Sabemos que a cura ou a vacina é que resolvem o problema.
Contudo, no final do mês de fevereiro o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, alertava o mundo para mais uma desigualdade, ou seja, 10 países tinham administrado 75 % das doses de vacinas existentes e 130 ainda não tinham recebido uma única dose. Perante isto podemos afirmar que a Humanidade está a aplicar uma solução global para um problema global? É claro que não!
Quando olhamos para os cerca de 200 países que este planeta alberga constatamos que os países estão em diferentes fases de combate à pandemia. Por exemplo, enquanto em Portugal desconfinamos, no Brasil batem-se recordes de vítimas mortais e de infetados. Outro exemplo desta falta de harmonização de combate à pandemia tem vindo a ser divulgada desde ontem na imprensa com a aplicação da matriz de risco que agora gere as decisões do governo português aos parceiros europeus e que permite constatar que Portugal parece ser o único que está na zona verde.
Temos ainda o caso da Itália que bloqueou a exportação de vacinas para a Austrália, tendo a União Europeia e os Estados-membros consensualizado que enquanto as necessidades prioritárias do espaço comum europeu não estivessem satisfeitas, não poderiam ser exportadas vacinas produzidas na Europa para outros países.
Em resumo, não há uma estratégia global e os resultados não são bons.
A pandemia que vivemos, como já referi neste texto, tem evidenciado todas as nossas fragilidades, mas não é a causa, é apenas o efeito amplificador. A Humanidade precisa de retirar lições de todo este processo, mas eu não estou otimista, acho que não vai acontecer.
Dou-vos mais um exemplo de como a Humanidade não está muito interessada em cooperar. Há uns dias vi uma pequena peça jornalística sobre uns desenvolvimentos tecnológicos conseguidos a nível europeu que iriam permitir à Europa ser independente dos Estados Unidos da América, da Rússia, da China ou do Japão na utilização do espaço para a colocação de satélites, para a instalação de meios de comunicação. Ora, apesar de existir uma Estação Espacial Internacional, apesar de existir alguma cooperação entre a comunidade científica, ainda há a vontade de querer ser independente na utilização de algo que é de todos e não é de ninguém.
Para mim é evidente que temas como a exploração espacial, o ambiente, as pandemias ou os oceanos, para dar alguns exemplos, são supranacionais, são supracontinentais (acho que esta palavra não existe) e, como tal, não podem ser geridos individualmente pelas nações.
Urge que a Humanidade e os nossos líderes percebam, de uma vez por todas, que é imperiosa uma reflexão sobre o papel que as organizações internacionais devem ter, sobre os seus poderes, sobre a eventual necessidade de serem equacionados outros modelos de governação que protejam eficazmente a Humanidade dos desafios e ameaças globais que nos vão certamente assolar no futuro.
Uma excelente reflexão, que se junta a umas quantas outras muito interessantes realizadas na perspetiva de uma gestão global do planeta, relativamente a grandes causas e problemas transversais. Para minha infelicidade não consigo ter qualquer esperança na sua concretização, embora reconheça um enorme mérito no conceito. Talvez se lhe possa chamar A Utopia do Supracontinentalismo, aproveitando a tal palavra que não existe (ainda).
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Para já tenho que dizer que gostei bastante da designação “A Utopia do Supracontinentalismo”. Gostaria muito de ter a arte e o engenho de poder densificá-la ainda mais. Com efeito, podemos não chegar ao objetivo desejado por ser utópico, mas se por outro lado o objetivo for ambicioso pode funcionar como força motriz para caminharmos naquele sentido. A verdade é que todos nós procuramos a felicidade com a consciência que dificilmente conseguiremos, mas não deixa de ser um objetivo. Façamos todos força num sentido e acredito na mudança.
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Caro Luís, creio que começas bem, temo que acabemos mal. A tua reflexão é pertinente, a solução utópica. Nós somos animais e incapazes de nos libertarmos da nossa animalidade. Existem, é certo, pessoas que conseguem ter uma visão global das coisas, algumas até projectar soluções e dentro de essa algumas com poder de decisão e liderança. Mas nunca ganharão ao animal que existe dentro de nós, mais cedo ou mais tarde algum “macho alfa” os vai escorraçar do poder e exibir o seu falo… Esta época de covid foi (é) um exemplo paradigmático: todos sabemos que a vacina seria a melhor arma; os cientistas tentaram cooperar, e até foram conseguindo, sempre às escondidas do poder e até com risco de vida (lembras-te do oftalmologista chinês?); mas os governos nunca cooperaram, fingiram! E jogaram no mercado, a ver quem vende mais máscaras, álcool e vacinas. Um fartote.
Os Russos lançam uma vacina com 14 (catorze!) individuos testados, para dizer que foram os primeiros!
Os chineses mandaram ofertas de material para países que querem sob sua influência, por vezes tão ridiculo como 100 000€ de material (máscaras, ventiladores,..) e obrigavam os embaixadores e ministros dos negócios estrangeiros a ir receber o material ao aeroporto, com direito a discursos e tudo…
Enfim, poderia continuar, mas não tenho tempo, a hora de almoço está a acabar 🙂
E agora, cada macaco por si, ai Jesus que o meu país é mais importante que o teu, enfim, vacinemos os nossos e deixemos os outros entregues à sua sorte, etc… uma asneira pegada.
O único exemplo de cooperação global que funcionou que me lembre foi a abolição dos CFC’s; se se repetir, talvez tenhamos uma hpótese. Se não,…, não. O mundo continuará a dar voltas ao Sol! O planeta ficará bem.
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É verdade que é uma solução utópica e é também verdade que o animal que reside dentro de nós deita muitas vezes as garras para fora, bem como o falo…
Mas sinto que é preciso dar rastilho à discussão, porque nestas matérias pequenos avanços podem significar grandes resultados, como foi o caso dos CFC que referenciaste.
Vamos criar uma cadeia de globalização, vamos ser os utópicos do presente, para sermos no futuro os visionários do passado.
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