Geringonças, caranguejolas e…a coerência?

Uma das qualidades que mais admiro num decisor é a coerência, a capacidade de evidenciar uma ação ao longo do tempo consistente com a sua linha de pensamento.

Chamo a atenção que utilizei a palavra “consistente” e não “imutável”. Com efeito, muitas vezes a coerência é confundida com imutabilidade, mas se formos ao significado das palavras verificamos que coerência quer dizer “conformidade entre factos ou ideias” enquanto imutável significa “permanente, inalterável, fixo ou constante”.

Esta pequena introdução vem a propósito da recente solução de governo para a região autónoma dos Açores, inspirada na solução de governo da república portuguesa.

Ora, não gosto nem de uma nem de outra e, acima de tudo, não gosto da deturpação de uma regra que aprendemos desde pequeninos que é quem chega primeiro ganha, quem tem mais pontos ganha, quem tem mais votos ganha.

Não é preciso recordar que a democracia tem defeitos, mas é o melhor sistema que existe e, como tal, tem na sua aplicação “prós e contras”. Uma das regras base da democracia é quem tem mais votos ganha e governa dentro das regras do jogo democrático.

A existência de governos minoritários não é inédita e sabemos da sua instabilidade, bem como da sua relativa incapacidade para poder executar os programas plebiscitados e expectáveis consequências menos positivas para o desenvolvimento do país.

Contudo, o jogo democrático prevê a possibilidade de governação em minoria, o que simplificadamente, significa que ou o governo tem capacidade para negociar no parlamento as medidas que pretende implementar ou acaba por cair e provocar a realização de novas eleições.

Mas estas são as regras e não pode ser a aritmética a sobrepor-se!

Todos nos lembramos das vozes contra a solução encontrada pelo Dr. António Costa para chegar a primeiro-ministro sem ganhar eleições, mas são algumas dessas vozes que agora clamam pela mesma solução nos Açores e argumentando que os socialistas não têm moral para comentar esta nova geringonça, caranguejola ou que lhe quiserem chamar.

Onde está a coerência daqueles que ganharam as eleições e criticaram a forma como foram retirados da missão que o maior número de votos lhes tinha sido concedida e onde está a coerência daqueles que aritmeticamente chegaram à governação, mas acham que agora nos Açores já não pode ser?

O que seria coerente na perspetiva de todos aqueles que acham que o Dr. António Costa não deveria ter sido primeiro-ministro sem ganhar eleições, era o PS dos Açores governar em minoria e jogar o jogo democrático no parlamento regional. Sei que muitos dizem que é o futuro dos açorianos que está em jogo, mas há uns anos atrás era o futuro de todos os portugueses…

A democracia tem regras e tem prós e contras.

Um erro de uma parte não justifica o erro da outra com base no argumento “como já fizeste, eu agora também posso fazer”!

A coerência, a consistência de pensamento, de ações, dá votos. Já a incoerência descredibiliza quem a manifesta e afasta os eleitores das eleições, ou seja, não promove a transferência de votos, mas sim o desinteresse e a abstenção que são o cancro da democracia..

2 thoughts on “Geringonças, caranguejolas e…a coerência?

  1. Portanto, a seu ver – o de alguém que acha que quem tem mais votos ganha – não há problema na solução governativa do continente de há cinco anos. O problema está é na falta de coerência de quem não achou a solução correcta e que, por isso, jamais poderá governar da mesma forma?

    Faz lembrar aquela anedota do “Oh Sr. Dr. Juiz, já eu meu pai roubava, isto é cultural”. Coerência acima de tudo, inclusivamente do certo e do errado?

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    1. Meu caro amigo, antes de mais gostaria de lhe agradecer o seu comentário. Penso que pensamos o mesmo, mas houve aqui uma pequena falha de comunicação, ou seja, quando refiro que quem ganha é quem tem mais votos significa que o PSD ganhou há cinco anos atrás e o PS ganhou as eleições regionais nos Açores. Com efeito, quem criticou a solução de governo denominada de “geringonça” não deveria poder governar da mesma forma quando lhe conviesse, precisamente, como a sua anedota demonstra, porque um erro não justifica a sua continuidade.

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